Por Romário Alcântara¹
Acordei
com saudades hoje. Mentira: acordei porque tinha aula de sábado por esta manhã.
No remexe-e-dorme-da-classe, devido à soneira, em meio à pacata aula, aí sim me
deu saudades. De muita coisa. Principalmente quando o brasileiro era um povo
burro, mas pacato. Melhor explico.
Nasci em meio aos anos 1990, é
verdade, porém me lembro bem do final daquela década e o começo dos anos 2000.
Lembro-me que sempre houve manifestações para lá e para cá, contudo ainda havia
um mínimo de dignidade – por pior que fosse a situação econômico-social
daqueles tempos. Sim, sempre houve diversas discussões políticas, greves e tudo
mais, entretanto ao menos havia algum valor moral imperando nisso. Havia
discussões, havia engajamento, as pessoas eram gentes e, por incrível que
pareça, ideologia era segundo plano: tínhamos um problema, e queríamos uma
solução; de qual lado viesse era o que menos importava.
Os “tiozões do CAPS LOCK” eram os
que mais reclamam desde sempre da alta carga tributária. Professores já
‘panelavam’ há horas por melhores condições salariais da classe. Recém estavam
discutindo o tal de ‘novo’ Código Civil (de 2002, que entrou em vigor em 2003).
Vereadores saíam no tapa verbal pelas tribunas, exemplo este seguido pelos
também burocratas estaduais e federais. Ao final disso tudo, embora tanta
panaceia política, todos se juntavam para beber e fumar em uma birosca
qualquer. Amigos, amigos, política à parte.
Hoje, não. Viramos “yankees tupiniquins”. Assim como nos EUA
um democrata mal cumprimenta direito um republicano, hoje são os petistas que
mal podem enxergar os tucanos. E ai de quem for de uma pequena sigla: vira alvo
de disputa; antes alvo fosse: vira objeto mesmo. “Esse ‘partido de aluguel’ é
meu, eu quero meus preciosos segundos eleitorais nas redes nacionais de rádio e
televisão!”, brada um lado ao outro, declarando-se com razão – razão
maquiavélica, óbvio. Em tempo: isso sempre houve? Sim, porém não de modo tão
descarado e tão sem vergonha alguma como agora. É uma (falsa) habitualidade que
incomoda, remexe com o interior do cidadão comum.
E ai de quem for apolítico ou
apartidário... Pois os dois lados citados acima – que não passam de duas faces
de uma mesma moeda (corrompida) chamada “estatismo” (a ‘religião’ moderna que
mais possui adeptos ao redor do mundo) – lhe perseguirão por ser contra o voto
obrigatório. “Como se um direito fosse dever”, já dizia eu, cansado de discutir
com essa gente. Ser apolítico virou mais ofensivo que ser taxado de filho de meretriz.
Ser apartidário virou algo mais indeciso que um fugitivo pego em cima do Muro
de Berlim.
De lá para cá, não formamos
estudantes: formamos frequentadores de salas de aulas. De antes até agora, não
formamos acadêmicos: somente sujeitos portadores de diplomas – que não passa de
um “capital simbólico” sugestivo e fetichista – e que quando fazem algo,
fazem-na tal como ativistas fariam, não como críticos advindos do ensino (?)
superior (??). Do final do último milênio até a metade da segunda década do
atual século, não houve incremento educacional ao nosso povo: no entanto, tão
somente o crescimento ideológico. Paulo Freire deve estar se regozijando
carcomido embaixo de uma tumba qualquer.
Ao menos, naquele tempo, o povo até
podia ser burro em algumas coisas, todavia em outras mantinha seu padrão moral
mais conservado – e aqui não falo de religião, sexualidade, e entre outros, mas
tão somente o trato com outras pessoas quaisquer. O “fio de bigode” era uma lei
maior que as leis declaradas nas cartas políticas e constitucionais de onde é
que fosse. Podia-se ser ignorante, se bem que melhor ser ignorante (como antes)
do que estúpido (como agora). Ademais, vale ressaltar: havia mais cordialidade.
Era engraçado ver nos bares de mais
antigamente: o homossexual sendo chamado de “viadinho”, e ele só no ‘caras e
bocas’, nem aí, ‘fazendo a egípcia’ diante da debochativa provocação. E o
negro, então? Havia um conhecido meu que era reconhecido pela alcunha de
“bugio”, devido a seu porte físico avantajado e sua tenaz pele provida de ALTAS
melaninas. Chamavam-no assim e ele sorria – e o sorriso era o único traço
branco dele, veja só.
Não obstante, o melhor fica para o
final: que tal um exemplo ocorrido comigo? Eu era gordo. Mas gordo feito “um
pixel”, como diria um colega meu. Quadrado de gordo, uma melancia japonesa. Ok,
no começo da minha infância eu fiquei sim de butthurt com o diário “♪gordo baleia, saco de areia, caiu na
piscina, de bunda pra cima, roda gigante, bunda de elefante!♫” do pessoal. Só
que o tempo passa, e a gente se acostuma. Depois, nem mais atenção a isso dá.
Bons tempos que bullyng era uma
escrota palavra que nem a pedagoga mais marxista da escola ousava falar... pois
era simplesmente desnecessário.
Por fim, vou dormir hoje com
saudades. Que o povo, em geral, continuará meio burro e meio alheio a muita
coisa, isso não há de se duvidar. E sim: eu me incluo no povo; afinal, não
estou nos bastidores das mídias e negociatas parlamentares mesmo... Então: só sei
que, disso, eu nada sei MESMO!... Dormirei ignorante acerca do que anda
ocorrendo por aí. Embora eu vá dormir com a cabeça mais tranquila do que de
costume: ao menos, não sou um estúpido ideólogo acreditando em falsos
”messias”.
_
1. ¹Romário B. Alcântara escreve aos sábados, na
correria mesmo, e anda meio nostálgico ultimamente. Até hoje o filho da mãe não
sabe escrever uma bio decente para
seus textos.
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