Por Marcos Serres*
Em um dos mais de 300 aforismas, o ilustre filósofo alemão
Friedrich Nietzsche em seu livro A Gaia Ciência critica o surgimento de pessoas
que, aproveitando-se de um instante de crise, se utiliza dos poderes de uma
filosofia moralista para se intitular como o alguém que resolva essa crise, o
que eu chamo de “O Libertador”.
Nos fala ele que essas pessoas “querendo que lhes seja concedida
uma confiança absoluta, têm primeiramente a necessidade de darem a si mesmos
com base em algum derradeiro e indiscutível mandamento, inerentemente sublime,
do qual gostariam de sentir-se servidores e considerar-se instrumento”, ou
seja, essas pessoas assumem para si uma filosofia moral e passam a viver ela
como se fosse a maior verdade do mundo e buscam ser, unicamente eles, o instrumento
pela qual as pessoas “subjugadas” por um sistema opressor possam encontrar a
libertação.
O problema é que, ao utilizarmos desses princípios ou ideais
superiores, acabamos nos livrando de um tirano – o sistema antigo – para servirmos
como “submissos sem vergonha” – como dizia Nietzsche – a outros princípios e
filosofias que outrora foram aclamados pelo “Libertador” como o grande ideal
que seria a salvação. Desse modo, qualquer que seja a saída, sempre se sairá
para dentro – por mais redundante que seja -, mas para dentro de uma prisão
ideológica que, quanto mais enraizada estiver no espírito carente das pessoas
sedentas pela revolução que levantou esse ideal, mais perigoso se tornará ao
buscar, na prática, ser realmente o “ideal libertador”.
Isso porque, pior que ser obrigado a servir a um tirano, é
servir a um tirano por vontade própria, ou, pelo menos, por achar que essa
vontade é a sua ao ser iludido e cegado por um ideal representado nesse tirano.
O tirano talvez nem seja uma pessoa, mas a personificação de uma filosofia
moralista que leva os indivíduos, talvez, a uma prisão ideológica objetiva, ou
melhor, concreta, que torna ideias e filosofias – subjetivas, até então –,
ações e censuras concretas tal qual o célebre livro de George Orwell, 1984, no
qual as próprias pessoas tornam-se tiranos de si próprios por estarem, ou embriagadas
pela ideia de libertação, ou amedrontadas por essa ideia e pelas pessoas que a
exaltam.
Portanto, quanto mais presos estivermos a uma ideia ou
pessoa que se intitule “O Libertador” para que essa nos liberte de uma prisão
que nos encontramos, mais prisioneiros ainda estaremos. Será como sair de uma
cela e ir para outra.
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Marcos Serres é acadêmico de Ciência Política, ator,comediante stand-up e escreve sobre Política e Sociedade nas quartas-feiras.
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